Capítulo 2: Ramona e o Xerife da Fenda do Biquíni.
Então, depois de encarar Rosa, fazer o mínimo de lição possível e dormir o máximo de tempo possível, eu fui para casa. Não morava muito longe então andava pouco, o clima era sempre meio frio mas eu até preferia. Eu nunca entendi bem o motivo, mas nós três, mesmo sem gostarmos muito uns dos outros,sempre voltávamos juntos da escola. Eu sempre sentei próximo a eles na escola, morávamos perto um do outro então o caminho era o mesmo e nós três éramos péssimos socializando. Acho que ficamos amigos por falta de opção.
-Quando Martin Luther King fez seu discurso, e começou com a frase: " Eu tenho um sonho", ele estava fazendo um marco na história. Você não deveria fazer piadas sexuais ou "cantadas" com isso, é desrespeitoso e...
Alice continuava incansavelmente, eu nem sabia como esses dois tinham saído de dizer que o outro fede para falar sobre racismo. Eu quase soltei um riso quando André interrompeu ela:
-Eu tenho um sonho, Alice, meu sonho é te ver...
Alice interrompeu ele.
-NÃO SE ATREVA.
No caminho de casa, André desrespeitou duas lutas por igualdade numa única inacabada frase, na frente de Alice. Bom, eu nunca disse que ele não era corajoso.
Nós sempre passávamos primeiro pela minha casa e os dois seguiam caminho juntos depois. Normalmente eu ficava me perguntando como foi a discussão na parte que eu perdi, naquele dia, Alice já tinha quase arrancado os cabelos umas duas vezes então, quando chegamos no meu portão fiquei me perguntando quanto cabelo ela ia arrancar dele quando eu não tivesse lá. Quando estava prestes a entrar pelo portão de casa depois de me despedir friamente deles, Alice me interrompeu e, pela primeira vez em minha vida eu vi algo que nunca pensei que veria. Não sou muito expressivo, mas não consegui esconder um suspiro de surpresa quando vi ela esquecendo uma discussão pela primeira vez.
-Arthur! Você se esqueceu?!
O rosto dela parecia animado, contrastava tanto com a raiva que tinha antes que eu não consegui acreditar que aquela animação era 100% real.
-Eu falei que não era tão importante. Nem ele lembrou.
As pregas em cada bochecha que mantinha aquele sorriso falso na cara de Alice estremeceram de vontade de quebrar os dentes de André. Eu apenas fiquei confuso tentando entender o que eu tinha esquecido.
-Que dia é hoje? O que tem de tão importante?
Fiquei entusiasmado. Eu sabia que qualquer coisa que André dizia não ser importante era, provavelmente muito importante.
- Dezesseis de Maio, Arthur.
Aquele sorriso falso tinha retornado. Muitos ficariam irritados, mas eu ficava feliz que ela se esforçasse mantendo esse sorriso para me agradar.
- Seu aniversário bobinho!
Ela riu e me deu um tapa no ombro. Acho que ela queria bater mais forte, Alice não gostava quando eu demorava para entender as coisas.
- Viu? Parece ser super importante para ele por acaso?
André perguntava enquanto via minha reação que demonstrava indiferença cautelosa. Se eu fosse indiferente demais, Alice poderia se esquecer que foi o André quem fez todas aquelas brincadeiras sem noção e eu gostava de viver. Eu também não era muito bom fingindo, então demonstrei uma estranha "animação indiferente".
Depois de mais um pouco de papo furado, eu saí de lá o mais rápido que pude. André continuava dizendo que não era tão importante e, apesar de eu concordar, eu nunca dizia que algo não era importante depois de Alice dizer que era. Como eu já disse, gostava de viver.
Enquanto eu subia as escadas em direção a minha casa que ficava no terceiro andar, eu também pensava comigo mesmo: " Dezesseis anos.... Nossa....." Eu não gostava muito de festas ou de coisas grandes, mas sempre ficava pensativo nos meus aniversários. O tempo continuava... Continua passando.
Acho que parar para pensar nisso vai ser sempre estranho. Quando cheguei em casa, abri a porta e joguei minha mochila em qualquer lugar, sabia que havia algo de importante nesse aniversário em específico, mas não conseguia me lembrar o que. A casa já não era muito limpa de qualquer jeito.
Roupas jogadas no chão, um violão que ninguém sabia como tinha ido parar ali e, alguns colecionáveis que minha irmã adorava comprar mas não sabia cuidar. A casa também tinha esse cheiro de café impregnado por todo lugar. As vezes minha irmã derramava café em algum cômodo e se abstinha de limpar. Eu não sei se ela achava que eu limparia ou que o café evaporaria, mas ela estava errada em ambas as deduções. Depois de procurar ela no meu quarto e no dela e não encontrar ela em nenhum dos dois lugares, resolvi ir para cozinha. Procurei primeiro no quarto dela, ela sempre estava lá quando dormia e ela dormia muito. Depois no meu porque as vezes ela procurava revistas adultas e "coisas de adolescentes" lá para rir da minha cara ou coisa do tipo.
-Ah, boa noite irmãozinho.
Ela me olhava por cima daquele óculos em formato de lua que me aterrorizava as vezes. Minha irmã era uma mulher bem alta, tinha uma pele pálida que dava dicas do quanto ela saia de casa. Depois de encarar aquele cabelo azulado e bagunçado que sempre me impressionava se assemelhando a algum tipo bizarro de obra de arte abstrata, eu olhei para o chão, vi algo estranho e voltei meus olhos para os óculos de lua novamente, tentando perguntar o que era aquilo sem usar a frase: "o que é isso?".
-Nunca viu um obeso de sunga vermelha e botas de cowboy dormindo no chão da sua cozinha?
Bom, aquilo era um obeso de sunga vermelha e botas de cowboy dormindo no chão da minha cozinha, e eu não tinha o direito de dizer que aquela era a primeira vez que eu via um. Porque não era.
-Outro cliente estranho?
Ramona, minha irmã, não era uma pessoa muito empolgada com as coisas da vida, mas quando um dos "clientes estranhos" dela estava em casa era diferente. Quando um desses caras aparecia, dava pra ver uma felicidade real vinda dos olhos dela.
-Acho que esse cowboy aqui foi desafiado para um duelo na praia.
Nós rimos juntos, clientes estranhos me faziam feliz também.
-Não faça piadas, Ramona.
Eu quebrei o clima, tentando fingir seriedade e depois continuei:
-Ele deve ser o xerife da Fenda do Biquíni, e esse é um cargo bem importante.
Minha irmã ria enquanto pegava um pouco de pó de canela que estava por ali. Ela estava sentada no chão perto da cabeça do homem e eu me sentei também, perto dos pés.
-Muito ameaçador né? Consigo ver a "pistola" dele daqui.
Eu continuei enquanto apontava sutilmente para a sunga e ela riu mais um pouco antes de colocar um pouco de pó de canela na mão.
-Grande xerife, pequena pistola.
-Um grande xerife sabe como usar pistolas pequenas, Ramona.
-A sunga precisava ser tão apertada? A silhueta dessa "pistola" tá me incomodando um pouco.
-Um grande xerife precisa estar sempre armado.
-Um grande xerife precisa de muitas coisas pelo visto.
-Sem dúvidas. Talvez ele pudesse tirar essas botas para relaxar um pouco.
-Nem pensar! O que seria de um grande xerife praiano sem suas botas da sorte?
Continuamos por mais um tempo até que ela jogou a canela por cima da cabeça do cowboy praiano, espalhando aquele cheiro forte de canela pela cozinha. Pude ver alguns grunhidos estranhos vindos do homem que dormia como uma porta, mexeu e remexeu um pouco os dedos das mãos e dos pés que estavam sobre o chão e sorriu satisfatoriamente. Aquele homem, sem dúvida gostava muito de canela.
-Que cara estranho.
-Bom, se ele não fosse não seria um "cliente estranho", e eu não estaria de tão bom humor.
Quando terminou de falar, ela colocou o dedão da mão esquerda na própria testa, enquanto descansava o indicador da outra mão na testa do sujeito. Aquilo era um tipo de ritual no qual eu já estava bem familiarizado.
-Já vai começar?
-Shhhh...
Ela assobiou. Era legal brincar com esses clientes estranhos, mas ainda assim era o trabalho dela e precisava ser levado a sério. Seria muito difícil para Ramona invadir os sonhos do cowboy praiano se eu continuasse lá, então, sai para assistir algo até que ela terminasse. Uma vez na sala, eu assisti dois filmes antes de começar a ficar sonolento. Depois de ficar sonolento eu nem sei mais o que assisti, só passei o dia inteiro jogado na poltrona da sala escutando aqueles barulhos estranhos que o pistoleiro mais temido das praias continuava fazendo. Nossa casa era bem comum de forma geral, na sala, tínhamos um tapete, uma cômoda, a televisão e a já citada poltrona. Era só uma então as vezes brigávamos para decidir quem sentaria no chão e Ramona sempre ganhava. De acordo com ela, eu era mais jovem então aguentaria mais desconforto. Mesmo que ela fosse dois anos mais velha que eu.
Pouco depois de anoitecer, Ramona veio para sala e sentou-se no chão pela primeira vez na vida.
-Aqui, feliz aniversário.
Ela sorriu seco e me deu um bolinho com uma única vela que iluminava a sala escura. Eu fiquei feliz dela ter lembrado, mas já imaginava qual proposta viria mais cedo ou mais tarde.
-Bom...
Ela continuou
- Esse ano você vai querer aprender a invadir alguns sonhos?
Ramona tentava falar com empolgação apesar de eu já ter deixado claro que não queria entrar para o "negócio da família". Peguei o bolo, assoprei a vela com secura e comecei a comer.
-Sabe, esse é um dom sanguíneo bem impressionante. Você deveria pensar mais nisso.
- Não é porque eu nasci na única família com poder para invadir sonhos que signifique que eu deva invadir sonhos, Ramona.
Eu tentei não ser grosso, mas queria deixar claro de uma vez por todas. Eu era jovem, e não sabia muito bem com o que trabalharia ou no que me formaria, mas eu sabia que não queria viver atendendo obesos de sunga e botas na minha cozinha.
-Esse não é o tipo de trabalho que faça bem para alguém. Quer dizer olha pra....
Minha irmã fixou-me nos olhos esperando que eu terminasse com "você". Quando viu que eu era covarde demais para terminar ela tomou uma atitude.
- Ok, mete o pé. Saia da minha poltrona imediatamente.
-Eu ia dizer "olhe como nossos pais terminaram.", Você não disse que eles estavam mortos por causa desses poderes?
-Foi isso que você entendeu?
-....Entendi errado?
Ramona fez um silêncio de segundos enquanto me encarava de cima para baixo. Aqueles óculos formato de lua podiam ser bem assustadores as vezes.
- Você é um péssimo ouvinte.
Ela disse com os lábios contraídos. Minha irmã não costuma ficar com raiva de mim por muito tempo, mas odeia quando toco no assunto "pais".
-Agora vaza. Minha bunda tá doendo.
Quando sai da poltrona ela se jogou lá, como sempre exausta e de mal humor. Ela se surpreendeu quando viu que eu estava assistindo um filme de terror por saber que eu odiava esse tipo de filme, mas não perguntou nada.
- Você não ficou bolada né?
-Arthur. Enfia esse bolo no...
- Ok! Tá eu tento.
Ela quase sorriu, e eu me irritei um pouco ao notar isso. A verdade é que eu estava um pouco preocupado, ela tinha andado especialmente solitária recentemente.
- Amanhã quando eu voltar eu tento.
Eu disse, desanimado e ela respondeu:
-Faz o que você quiser irmão.
Enquanto dizia essas palavras ela sorria abertamente por me ver fazendo exatamente o que ela queria que eu fizesse.
[Continua]
--Créditos--
Autor: Rudigu
Co-Autor: L.Maverick
Divulgado por: Mistérios Nerd
--Leia mais--
Quer ler outro capítulo e relembrar alguns fatos? Clique aqui e veja todos os capítulos.
0 Comentários