Capítulo 4: A importância de extintores de incêndio.
No caminho para a casa de Rosa, eu comecei a repensar com calma sobre esses poderes que nossa família tinha. Normalmente não me era um assunto muito interessante, mas eu estava fazendo qualquer coisa para não ficar nervoso e surtar.
- Por que nossa família em específico tem esse poder?
Perguntei para minha irmã, e ela pareceu ter ficado curiosa com relação a minha curiosidade.
- Quero dizer... Não somo magos e nem fomos picados por um sonho radioativo né?
Ramona me encarou com estranhamento.
- Isso não faria sentido nenhum.
Ela afirmou e continuou o caminho normalmente. Depois de acender um cigarro, ela parecia ter se arrependido de não ter respondido, e decidiu falar. Seu nariz sempre ficava avermelhado quando o clima estava frio como naquela madrugada, e ela parecia uma chaminé ambulante com aquele cigarro.
- Não se sabe... Mas de acordo com alguns estudos que eu fiz com...
Ela engasga com as palavras de um jeito específico. Tão específico que eu previ que se tratava dos nossos pais.
-..... Nossos pais... Descobrimos que o que quer que seja... Não começou como algo que fosse passado através do sangue... Apesar de hoje em dia ser.
Assuntos de família sempre foram muito delicados para ela. Eu evitava de perguntar tanto por falta de interesse quanto por cuidado com como ela poderia se sentir. A verdade é que Ramona podia ser bem sensível ao entrar em certos assuntos. Ramona nunca falou tão lentamente antes, acho que assuntos difíceis deixam ela mais devagar. Eu tinha mais perguntas mas, por sorte, não tinham haver com paternidade.
- Como exatamente isso vai funcionar?
Um dos motivos pelos quais eu gostava da minha irmã era que ela conseguia me entender facilmente. Não consegui organizar bem minha última pergunta, mas ela entendeu a que me referia e porque eu estava perguntando.
-Uma Sandman experiente como eu é capaz de entrar livremente nos sonhos de alguém, basta a pessoa estar dormindo para que suas atividades cerebrais diminuam. Esse método é bem mais sofisticado, foi desenvolvido ao longo de gerações de Sandman e normalmente só se aprende isso aos 30.
Eu me esquecia com facilidade, mas era fato que Ramona era um prodígio em destaque no ramo dos sonhos da família. Lembro que aos 14 ela já invadia livremente.
- Esse é um método bem eficiente já que nosso poder não é especificamente o de invadir sonhos, tá mais para um tipo de conexão psíquica que somos capazes de fazer. Invadimos sonhos com isso porque a baixa atividade cerebral que as pessoas tem quando dormem é perfeita. A nossa atividade cerebral aumenta consideravelmente tentando nos manter lá dentro, o que faz com que tenhamos poder completo sobre o sonho do "adentrado".
Naquele momento, eu passei a gostar um pouco mais do assunto e a admirar um pouco mais minha irmã. Não sei se ela gostava de parecer uma idiota ou se simplesmente não se importava suficiente para como se mostrava para os outros. Mas ela era capaz de me surpreender as vezes.
- Durante o sono REM é completamente diferente. É a fase em que o "adentrado" sonha e suas atividades cerebrais começam a ficar agitadas demais para conseguirmos controlar. Por ficar excessivamente agitado, é bem mais fácil de invadir para um Sandman iniciante, mas você terá muito pouco controle, o que faz com que seja bem mais perigoso também.
-... Quanto mais perigoso...?
Minha irmã sorriu para mim. Ela gostava de me amedrontar.
- É bom que você esteja muito apaixonado.
Ela não me respondeu diretamente, e eu sabia que se insistisse ela continuaria me amedrontando infinitamente, então resolvi parar.
Ramona ficou calada o resto do caminho inteiro, parecia relaxada e tranquila como se aquela não fosse a primeira vez que ela invadia a casa de alguém para invadir os sonhos também no meio da madrugada. Considerando que era a Ramona, provavelmente não era a primeira vez mesmo. Eu por outro lado, não estava acostumado a invadir sonhos, e muito menos casas. Minhas mãos soavam, meus joelhos pareciam querer se encontrar de tanto que tremiam, minha respiração estava estranha e meus lábios se contraíram contra a minha vontade o caminho todo. Pouco antes de chegarmos, eu tentei puxar mais conversa com o intuito de esquecer o nervosismo tanto quanto podia.
-Eu estou com medo...
-Continua assim. Não tem nada que atrai mulheres mais do que um cagão.
Ramona me respondeu de imediato.
As vezes eu tinha a impressão de que ela se esforçava mais quando tentava não ser sarcástica.
- Mas... Não quero voltar... Você chamaria isso de "poder do amor"?
Muito brega e muito inocente, eu sei. Vocês não podem julgar muito, quantos de vocês já invadiram uma casa as 4 da matina? Enfim, quando minha irmã ouviu isso ela riu de canto.
-Chamo de poder da virgindade/carência.
Ela riu e eu não senti mais vontade de continuar aquela conversa.
Demos de cara com uma porta fechada. O bairro era um deserto molhado de concreto. Pouco antes de chegarmos, uma garoa tomou conta do ambiente, eu não tinha notado já que estava todo molhado de suor graças ao nervosismo.
-Bom, agora a festa começa.
Ramona puxou do bolso do moletom um clipes comum de papel, meteu na fechadura e começou a mexer e remexer.
-Achei que isso só funcionasse nos filmes.
Fiquei impressionado com minha irmã mais uma vez. Parecia não haver nada que ela não soubesse fazer. As vezes me perguntava se Ramona não era na verdade uma ninja treinada, ou uma agente secreta de alguma agência secreta, talvez fosse sobre humana de alguma forma. Ela sempre me surpreendia e... E......... Bom, 30 minutos depois e ela ainda não abriu a fechadura. Esqueçam esse último parágrafo.
-Acho que esse clipes não tá funcionando direito.
Eu quase ri. Ela deu as costas para a porta e jogou a chave mágica que só servia para prender papéis por aí na rua. Deu umas voltas enquanto cochichava algo para si mesma, algo inaudível. Pouco depois, abriu um sorriso largo e olhou para mim
-Isso!! Eu já estava ansiosa para testar aquilo de qualquer jeito!
Eu não perguntei o que era, apenas esperei que ela me explicasse enquanto demonstrava genuína confusão. Ramona colou os dedos a algum lugar no queixo próximo aos lábios, encarou o chão por mais alguns segundos e exclamou para si mesma mais algumas vezes: "Hmm é, é isso.... Isso. Isso mesmo..." Até eu perder a paciência e finalmente questionar em voz alta:
- O que? Qual é a grande idéia??
Ela colou os dedos aos lábios dessa vez, insinuando que eu fizesse silêncio. Olhou para os lados e se aproximou para que eu pudesse ouvir.
-Espere aqui.
Num piscar de olhos, Ramona se afastou de mim a passos largos e silenciosos, sumindo na escuridão da madrugada e me deixando lá. Talvez ela fosse uma ninja afinal. Minha irmã não gostava de mentir, sempre que tinha uma informação desagradável em mãos, ou ela não contava ou contava de forma criativa e divertida. Acho que a informação vinda da frase: " vou demorar mais de uma hora para voltar" era realmente desagradável suficiente para que ela não conseguisse arranjar um jeito divertido de dizer.
Cada vez que o dia clareava um bocado, revelando um sol gélido da manhã eu entrava mais em desespero. Qualquer um poderia saltar de dentro daquela casa e se deparar com um garoto ali. Eu não queria sair, esse momento, esse momento em que poderia conhecer um pouco mais sobre Rosa era o que eu tinha esperado por tanto tempo. Ramona era confiável, ela não me colocaria em uma situação onde eu correria risco real. Eu simplesmente precisava conhecer mais sobre Rosa. Eu conhecia ela muito p....
Ramona finalmente chegou com um extintor de incêndio em mãos. Trazia também um sorriso sádico no rosto e andava muito empolgada, com olheiras marcadas e um cheiro impregnado de café. Sim, aparentemente ela teve a audácia de fazer uma pausa pro café.
- Relaxa, eu fiz um acordo com um amigo, o que tem aqui dentro não apaga fogo e...
-Uma pausa pro café?? É sério isso???
Eu interrompi a empolgação dela, e ela ficou confusa, como se não entendesse o motivo de tanta raiva.
-Para. Para com essa cara de idiota, você sabe que eu odeio quando faz isso.
Minha irmã parecia ter notado um tom de frustração verdadeira na minha voz. Então ela sorriu e continuou
- Relaxa, aqui dentro tem um gás sonífero, podemos ganhar algum tempo.
Ela dizia enquanto punha a mangueira conectada ao extintor de incêndio.
- Como... Como isso...??
Eu não estava conseguindo colocar minha dúvida em palavras. Então, Ramona me explicou de forma compacta, como ela sempre faz:
-Sabe... Alguns bombeiros, com alguns contatos especiais com químicos podem vir a ter alguns sonhos sexuais com a irmã da esposa e, talvez, queiram se livrar deles e fiquem devendo um favor para mim....
Aquilo foi extremamente específico e conveniente. Mas também era, obviamente meu limite. Aquilo estava ficando perigoso demais então, puxei o extintor de incêndio da mão da minha irmã e afastei do corpo dela.
-Chega! Isso é ridículo.
-Aaaahh, para!! Isso vai funcionar, confia!
- Vai mesmo? Que nem o clipe de papel?
- Aquilo foi um caso isolado! Deixa de ser estraga prazeres!!!
Ramona e eu discutiamos enquanto fazíamos cabo de guerra com o extintor de incêndio.
- E se esse cara estranho aí se enganou?? E se ele tiver colocado veneno ou sei lá???
- Aí ela dorme para sempre, E GANHAMOS UM CLIENTE ETERNO!!
Ramona e eu éramos duas vergonhas em exercícios físicos, mas ela as vezes precisava empurrar clientes gordos com botas de cowboy e sunga para arranjar espaço no chão para deitar, então ela tinha sua vantagem. Quando minha irmã finalmente deu um puxão suficientemente forte para que o extintor de incêndio saísse voando e caísse magicamente na janela ali perto, quebrando o vidro, eu pude ouvir, depois do barulho de estilhaços tocando o chão, aquele barulho característico de um extintor de incêndio furado e vazando.
Minha irmã comemorou e meus joelhos voltaram a falhar. A situação tinha definitivamente saído do controle.
[Continua]
--Créditos--
Autor: Rudigu
Co-Autor: L.Maverick
Divulgado por: Mistérios Nerd
--Leia mais--
Quer ler outro capítulo e relembrar alguns fatos? Clique aqui e veja todos os capítulos.
0 Comentários